O crescimento de grandes projetos em áreas de risco e o papel das Seguradoras Cativas na gestão de catástrofes

  • 01 de Novembro de 2023

O avanço acelerado de empreendimentos de grande porte — como centros de processamento de dados (data centers) e complexos de geração de energia renovável — em regiões com histórico de desastres naturais reforça a urgência de estratégias mais sofisticadas de gestão de riscos. Uma das ferramentas que vem se consolidando internacionalmente nesse cenário é o uso de seguradoras cativas (captives), capazes de oferecer flexibilidade e complementar lacunas de cobertura deixadas pelo mercado segurador tradicional.

Estatísticas internacionais indicam que, em 2024, as perdas seguradas decorrentes de catástrofes naturais atingiram aproximadamente US$ 145 bilhões, sendo 80% concentradas na América do Norte. O ano de 2025 já apresenta ritmo recorde, com perdas acumuladas acima de US$ 100 bilhões até agosto, superando a média registrada no século XXI. Eventos como incêndios florestais na costa oeste norte-americana e tempestades severas estão entre os principais vetores dessas perdas.

Embora as mudanças climáticas sejam amplamente reconhecidas como um fator agravante, há outro elemento estrutural: o aumento da ocupação humana e de ativos em áreas de risco. Em alguns estados norte-americanos, como a Flórida, a população mais que dobrou desde a década de 1990, elevando significativamente a exposição segurada.

O crescimento da demanda energética, impulsionado por setores de alto consumo como inteligência artificial, computação em nuvem e mineração de dados, tem levado a uma expansão sem precedentes de projetos de energia renovável, principalmente solar e eólica. Há pouco mais de uma década, projetos solares eram considerados de grande porte quando envolviam US$ 50 milhões; hoje, alguns ultrapassam US$ 1 bilhão em investimentos.

Essa ampliação de escala implica aumento proporcional da exposição. Em áreas suscetíveis a granizo, vendavais ou tempestades severas, um empreendimento desse porte pode enfrentar danos substanciais e elevados custos de reposição. O mercado segurador, no entanto, muitas vezes oferece limites que cobrem apenas uma fração do valor total exposto. A diferença, nesse caso, constitui risco direto ao balanço patrimonial da empresa.

Função e Limitações das Cativas

Nesse contexto, as seguradoras cativas podem atuar como um mecanismo estratégico de absorção e retenção de riscos, especialmente nos casos em que o mercado tradicional não oferece capacidade suficiente ou cobra prêmios inviáveis. Ao assumir parte substancial da exposição, a cativa fortalece a posição de negociação da empresa e cria um alinhamento maior com as seguradoras comerciais.

No entanto, especialistas alertam que a função da cativa não é assumir todos os riscos indiscriminadamente. O papel central é identificar, quantificar e gerir exposições para que a alta administração possa decidir entre:

 

  • Transferência de risco para o mercado tradicional;
  • Retenção parcial via cativa;
  • Retenção direta no balanço (self-insurance puro).

 

Além disso, o sucesso da estratégia depende da educação interna: muitos executivos ainda veem a cativa como algo complexo ou obscuro, quando na realidade trata-se de uma estrutura formal de auto-seguro, sujeita a regras de solvência e governança semelhantes às de seguradoras convencionais.


Contexto Brasileiro

Ausência de Marco Regulatório para Cativas

No Brasil, não existe regulamentação específica que permita a constituição de seguradoras cativas domésticas. Empresas que desejam utilizar esse instrumento precisam recorrer a jurisdições internacionais, como Bermudas, Barbados ou Vermont (EUA), que oferecem regimes regulatórios maduros para cativas. Essa limitação é frequentemente apontada pelo setor como uma barreira à sofisticação da gestão de riscos no país.

Grandes empreendimentos de energia renovável — sobretudo no Nordeste, como os complexos solares no Piauí, Bahia e Ceará, e os parques eólicos no Rio Grande do Norte — estão cada vez mais expostos a riscos climáticos e operacionais. Eventos como vendavais, granizo, descargas elétricas e até secas prolongadas (que afetam a eficiência de geração) podem causar perdas milionárias.

Data centers, por sua vez, vêm se concentrando em polos como São Paulo e Campinas, áreas que, embora com menor frequência de catástrofes severas, enfrentam riscos significativos relacionados a quedas de energia, inundações localizadas e falhas de infraestrutura.

O mercado segurador brasileiro, embora sofisticado em algumas linhas, ainda oferece capacidade limitada para riscos catastróficos de alta severidade. É comum que projetos de infraestrutura e energia precisem buscar programas internacionais de co-seguro e resseguro para atingir limites adequados, especialmente em empreendimentos acima de R$ 1 bilhão em valor segurado.

Tendências

 

  • Integração de resseguros internacionais: cada vez mais necessária para complementar capacidade.
  • Gestão híbrida de riscos: combinação de seguros tradicionais, retenção própria e estruturas cativas internacionais.
  • Pressão regulatória e de investidores: stakeholders exigem que empresas demonstrem planos robustos de mitigação de riscos climáticos.
  • Debate sobre marco legal: entidades como a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) já discutem, em fóruns técnicos, a possibilidade de introdução de cativas no país.