Os produtos que farão o mercado de Saúde Suplementar implodir!

  • 02 de Março de 2024

O mercado de saúde suplementar no Brasil vive uma crise estrutural. Em silêncio, mas de forma constante, milhares de famílias são empurradas para fora dos planos de saúde por reajustes abusivos, restando como única alternativa o já sobrecarregado SUS. No centro desse fenômeno estão os planos coletivos por adesão e os chamados falsos coletivos ou falsos familiares. Embora distintos, ambos compartilham a mesma raiz: a utilização de brechas regulatórias que permitem às operadoras escapar do controle da ANS sobre os reajustes.

Planos coletivos por adesão: inclusão artificial, exclusão financeira

O plano coletivo por adesão deveria ser um benefício voltado a profissionais vinculados a sindicatos, conselhos ou associações de classe. Na prática, porém, quase qualquer pessoa pode entrar nesse modelo: basta se filiar a uma associação — muitas vezes criada especificamente para esse fim — no momento da contratação. Essas associações funcionam como “portas de acesso” à saúde suplementar, ainda que o vínculo seja meramente formal e não represente uma categoria real.

Essa inclusão artificial tem um custo elevado. Como os grupos formados não possuem homogeneidade nem vínculo de risco comum, as operadoras não conseguem prever de forma adequada a sinistralidade. Para se proteger, transferem os custos diretamente ao consumidor por meio de reajustes muito superiores aos autorizados pela ANS nos planos individuais.

O efeito é devastador: famílias entram atraídas por preços iniciais relativamente baixos, mas logo enfrentam aumentos de 20%, 25% ou até mais ao ano. Esse ciclo gera um fenômeno conhecido como churn (rotatividade): clientes ingressam, permanecem por um curto período e, diante da explosão das mensalidades, abandonam o contrato. Em poucos anos, um plano que começou em R$ 600 pode custar R$ 8 mil, expulsando justamente quem mais precisa de cobertura — idosos, doentes crônicos e aposentados.

Falsos coletivos/falsos familiares: suavização aparente, bomba-relógio futura

Os chamados falsos coletivos ou falsos familiares funcionam de forma diferente. Tratam-se de planos registrados como coletivos, mas contratados por famílias ou pequenos grupos, sem vínculo empresarial ou associativo efetivo. O mecanismo mais comum é a formação de pools de até 30 vidas, em que os reajustes são calculados com base na sinistralidade de um universo maior de clientes reunidos pelas operadoras.

Esse cálculo diluído suaviza momentaneamente os aumentos, criando a percepção de um produto mais estável em comparação com os coletivos por adesão. Para reforçar essa atratividade, muitas operadoras oferecem preços iniciais muito mais baixos do que os raros planos individuais ainda disponíveis no mercado. No entanto, trata-se de uma estratégia de curto prazo: ao longo dos anos, os reajustes acumulados fazem com que esses falsos coletivos superem — e muito — o valor dos planos individuais.

Nos últimos anos, algumas seguradoras vêm inclusive aumentando o limite de vidas do pool para potencializar a atratividade comercial, o que desvirtua ainda mais a lógica do sistema. O resultado é previsível: consumidores atraídos pelo preço inicial acabam surpreendidos com aumentos expressivos e insustentáveis, repetindo o ciclo de exclusão já observado nos planos de adesão.

Judicialização: remédio pontual para um problema sistêmico

A consequência direta desse modelo é a judicialização em massa. Tribunais em todo o país vêm reconhecendo que tanto os planos coletivos por adesão quanto os falsos coletivos servem, muitas vezes, apenas para driblar a regulação e impor reajustes abusivos. Em diversas decisões, juízes têm determinado a equiparação desses contratos aos planos individuais, limitando os reajustes aos índices anuais da ANS e, em alguns casos, obrigando a devolução de valores cobrados a mais.

Casos emblemáticos se multiplicam. Em São Paulo, um reajuste de 300% em contrato de adesão foi anulado, garantindo a continuidade do tratamento de um menor. Em outros julgados, tribunais reclassificaram planos familiares registrados como coletivos, obrigando as operadoras a aplicar regras mais protetivas.

Essas vitórias judiciais aliviam a situação de famílias específicas, mas não atacam a raiz do problema. Pelo contrário: a judicialização em massa é sintoma de um sistema que perdeu o equilíbrio econômico e regulatório.

Risco de colapso em câmera lenta

Do lado das operadoras, há também sinais de exaustão. O envelhecimento da população, o avanço da tecnologia médica e a dificuldade de manter reservas compatíveis com a demanda crescente pressionam todo o setor. O modelo cooperativista da Unimed já mostrou sua vulnerabilidade em diversos episódios de insolvência, envolvendo singulares importantes em número de beneficiários. Escritórios de advocacia especializados em ações contra planos de saúde se multiplicam, transformando conflitos individuais em um fenômeno coletivo de mercado.

O risco é claro: se nada for feito, veremos uma migração forçada de milhares de beneficiários para o SUS, ampliando ainda mais a sobrecarga do sistema público. A saúde suplementar, por sua vez, seguirá implodindo em câmera lenta, sustentada apenas por reajustes agressivos e pela expulsão silenciosa de consumidores.

A crise dos planos coletivos por adesão e dos falsos coletivos revela a falência de um modelo que privilegia brechas contratuais em detrimento da proteção ao consumidor. Enquanto os coletivos por adesão produzem rotatividade por meio de aumentos descontrolados, os falsos coletivos oferecem uma falsa sensação de estabilidade inicial, que inevitavelmente se transforma em uma armadilha financeira.

Sem uma revisão regulatória profunda, que estabeleça critérios claros de reajuste e coíba práticas abusivas, a tendência é de agravamento. A saúde suplementar, que deveria ser alternativa de alívio ao SUS, corre o risco de se tornar apenas mais uma porta giratória de exclusão. O país precisa decidir: ou enfrentamos as distorções desse mercado agora, ou aceitaremos o colapso progressivo de um sistema vital para milhões de brasileiros.